Era 20 de dezembro, véspera de verão, a estação da luz. Sem combinação prévia, em um daqueles impulsos juvenis impossíveis de serem contidos, um bando de jovens insensatos e insanos, que morava/perambulava por Nazaré, Mouraria, Tororó e adjacências no glorioso e temerário ano de 1985, decidiu pular o profundo fosso que separava o inatingível gramado das maltratadas arquibancadas da velha Fonte Nova.
Era 20 de dezembro, véspera de verão, a estação da luz. A princípio, tudo aquilo parecia uma obscura temeridade. E, quando os primeiros se atreveram a fazer a perigosa travessia, muitos olharam de soslaio, recriminando aquele ato que parecia inconsequente.
Era 20 de dezembro, véspera de verão, a estação da luz. E nós, utópicos, mesmo diante da descrença da maioria, achávamos que era possível estar perto de nosso Clube. Sim, acreditávamos que podíamos rasgar aquela linha invisível e intangível que sempre nos separa de nossos sonhos.
Era 20 de dezembro, véspera de verão, a estação da luz. E já não éramos mais apenas uns, e sim muitos. E pouco tempo depois, a nossa ousadia de enfants terribles contagiou a massa. E uma multidão incalculável se juntou a nós, cercando as quatro linhas do campo. E invadimos o estádio, a cidade, a Bahia, o mundo, e vibramos juntos com Ricky, Bigu, Ivan & companhia ilimitada. E foi a primeira vez que tive a sensação de pertencimento em relação ao Esporte Clube Vitória. Ali, misturados com os heróis do título de 1985 e muitos outros heróis anônimos, percebíamos/sentíamos que o Clube nos pertencia.
Pois muito bem.
Passaram-se inúmeros 20 de dezembro, muitos outros verões e continuamos a amar. Porém, era aquele amor em que o cansaço estava vencendo o cio, faltando um pedaço. Parecia pleno, mas não recíproco, carecia de um sentimento fundamental: pertencimento.
Contudo, desistir, nem desesperar, jamais. E seguimos lutando per seculae seculorum contra forças muito mais poderosas do que aquela tinhosa Catuense que derrotamos na década de 80.
No início, éramos bem poucos, muitos menos do que os jovens que começaram a histórica invasão do gramado naquela peleja ancestral. Entretanto, sabíamos que um dia chegaria outro 20 de dezembro, véspera do verão, a estação da luz, com muito mais Rubro-Negros dispotos a fazer a travessia. E ele, o verão da democracia rubro-negra, finalmente, chegou.
É verdade que alguns românticos podem sentir falta do heroísmo de antanho. Afinal, em vez de saltar o fosso da velha Fonte Nova e correr da polícia, estávamos confortavelmente instalados no asséptico e insosso espaço lounge do que hoje se chama Arena. Contudo, sonhos não precisam obedecer a geografias.
E, neste 20 de dezembro, véspera de verão, a estação da luz, nós, utópicos, mesmo diante da descrença da maioria, provamos que é possível estar perto de nosso Clube. E, juntos, rasgamos definitivamente a terrível linha invisível e intangível que sempre nos separou de nossos sonhos.
A partir de agora, não é mais véspera, já é verão para os Rubro-Negros. O eterno verão da democracia. Acabou-se o fosso. O Vitória e sua torcida se pertencem.