Na última reunião do conselho deliberativo do Esporte Clube Vitória, no dia 25 de setembro, finalmente a comissão de reforma do estatuto apresentou a minuta do trabalho realizado nos últimos nove meses. O colegiado foi criado no final de dezembro de 2014 e tinha prazo de um semestre para concluir o serviço. Portanto, houve um atraso de três meses.
Porém, não ficou restrito a isso. É fato que projeto contém avanços, mas há também alguns problemas. A propósito, Felipe Ventin, professor universitário de Direito, fez uma análise do mesmo, apontando uma série de equívocos, imprecisões e lacunas. Logo abaixo reproduzirei alguns trechos do minucioso trabalho efetuado pelo advogado. Antes, porém, quero chamar a atenção dos amigos Rubro-Negros para uma VERDADEIRA TENTATIVA DE GOLPE, um balão de ensaio lançado pelo atual presidente do conselho deliberativo, Zé Rocha.
Seguinte.
Em entrevista concedida ontem ao Site Bahia Notícias, ele defendeu a ESTAPAFÚRDIA e elitista proposta de que só podem ser candidatos a presidente quem faz ou já fez parte do conselho. Traduzindo: a ideia de Zé Rocha é criar uma casta onde só os mesmos de sempre possam continuar a ter voz e vez nos destinos do Vitória. É a perpetuação da insensatez.
Porém, a torcida Rubro-Negra, que tem lutado firmemente em prol da democratização do Clube, não vai aceitar nem permitir nenhum tipo de retrocesso. Mais do que nunca, estamos atentos e vigilantes para impedir estas e outras tenebrosas manobras. Aliás, a proposta atual precisa é ser aperfeiçoada. Eis algumas sugestões apresentadas pelo professor de Direito e advogado Felipe Ventin.
“CATEGORIA DE ASSOCIADOS
O novo Estatuto deveria esclarecer definitivamente o que são os associados contribuintes e patrimoniais. Há muita vagueza na definição e condição desses sócios. Como se tornar sócio contribuinte e patrimonial? De maneira lacônica, preceitua o novo Estatuto:
Art. 5º – Poderá ser admitido como associado do Clube, com aprovação do Conselho Diretor, a pessoa física que desejar, por manifestação expressa, preenchidas as condições estatutárias e regulamentares do Clube. Parágrafo Único – O Conselho Diretor apreciará e decidirá sobre o requerimento no prazo de até 60 dias.
Que condições gerais e estatutárias são essas? Vejam também a vagueza do art. 6, §3º:
Art. 6º, § 3º – Para ser admitido como Sócio-Patrimonial, o candidato deverá adquirir o respectivo título e preencher os requisitos gerais.
Que requisitos gerais são esses? Afinal, quem são os sócios patrimoniais? Isso sempre foi um mistério.
Há ainda um denominado CAPÍTULO III, intitulado DA ADMISSÃO E READMISSÃO DO SÓCIO. Notem como o art. 14 desse capítulo é igualmente lacunoso e impreciso.
Art. 14 – São condições para ingresso no quadro de associados do VITÓRIA, além do compromisso de ser fiel e preciso nas declarações prestadas, obrigar-se o candidato a todos os preceitos constantes deste Estatuto, quais sejam:
- Adquirir o título de sócio ou associar-se aos programas de fidelidade do VITÓRIA;
- Gozar de boa conduta;
Como adquirir o título de sócio? Programa de fidelidade, OK, que é o SMV. E afinal, do que se trata essa boa conduta? Quem julga esse conceito subjetivo e moral?
MANIFESTAÇÃO POLÍTICA
O art. 9º, IV determina que “são deveres do associado, independentemente de sua categoria abster-se de manifestação de natureza política, racial, de gênero, religiosa ou classista, nas dependências do VITÓRIA”;
Acredito que manifestações político-partidárias não sejam bem-vindas, mas o conceito de política é muito mais amplo que isso. Como impedir que nos manifestemos em favor da democracia, que é uma típica manifestação política? E para condenar eventuais atos racistas ou homofóbicos no clube ou no futebol? Nos calaremos? Acho uma mordaça desnecessária.
ADVERTÊNCIA VERBAL
O art. 10, inciso I prevê uma penalidade bastante perigosa que é a advertência verbal.
Art. 10 – O associado que infringir as disposições deste Estatuto, do Regimento ou dos Regulamentos Internos do VITÓRIA estará sujeito às penalidades seguintes, de acordo com a natureza da infração:
- Advertência verbal;
Porém, o absurdo mesmo é quem poderá aplica-la, vejam só:
- 1º – A Advertência verbal poderá será aplicada por qualquer dos membros dos Conselhos Deliberativo, Diretor, ou Fiscal, ao associado que cometer infração considerada de pequena significância e sem maiores repercussões na convivência e disciplina. A advertência verbal será anotada no prontuário do advertido.
Trata-se de medida bastante ditatorial, que estimula a concentração de poder na mão dos dirigentes, que poderão censurar condutas dos associados que eles julgarem inconvenientes.
A advertência verbal é perigosa também pois não é documentada, não há contraditório, ampla defesa. Há também uma grande imprecisão no conceito de “infração de pequena significância”. O que vem a sê-la? E se essa infração não tem maior repercussão na convivência e disciplina, por que ela é infração? Aonde estão tipificadas tais infrações?
DIVULGAÇÃO DA LISTA DE SÓCIOS
A lista de sócios não deve ser divulgada apenas quando do edital da Assembleia, conforme disciplina o art. 23, parágrafo único.
Art. 23 Parágrafo Único – Na mesma data da publicação do Edital, deverá ser divulgada, no site do Clube e na sede administrativa, a lista de sócios atualizada, identificando-se os sócios aptos a exercer o direito de voto, sob pena de nulidade do ato convocatório.
A lista de sócios deve ser permanentemente divulgada, devendo ela estar sempre disponível e atualizada no site oficial do clube, conforme preceito da Lei Pelé (Lei 9.615/98 – art. 18-A, inciso VIII).
Art. 18-A. Sem prejuízo do disposto no art. 18, as entidades sem fins lucrativos componentes do Sistema Nacional do Desporto, referidas no parágrafo único do art. 13, somente poderão receber recursos da administração pública federal direta e indireta caso:
VIII – garantam a todos os associados e filiados acesso irrestrito aos documentos e informações relativos à prestação de contas, bem como àqueles relacionados à gestão da respectiva entidade de administração do desporto, os quais deverão ser publicados na íntegra no sítio eletrônico desta.
COMPOSIÇÃO DO CONSELHO DELIBERATIVO
O novo Estatuto ainda prevê a retrógada figura do Conselheiro Nato.
Art. 26 – O Conselho Deliberativo é o órgão superior representante do quadro de associados, e compõe-se de membros natos e eleitos.
- São membros natos do Conselho Deliberativo os ex-presidentes do Conselho Deliberativo e do Conselho Diretor.
Quanto aos elegíveis, são eles
- Os associados contribuintes efetivos;
- Os associados patrimoniais;
- Os associados torcedores titulares;
Há um pequeno erro no art. 26, inciso II, alínea “a”, pois o novo estatuto não mais prevê várias subcategorias de associados contribuintes. No estatuto anterior os associados contribuintes realmente eram divididos em efetivos, temporários e infanto-juvenil.
E afinal, quem são esses associados contribuintes? Os conselheiros? O Estatuto precisa deixar clara essa categoria de associado.
CONSELHO DIRETOR
O art. 34 prevê Presidente e Vice-Presidente do Conselho Diretor (que são conhecidos popularmente como Presidente e Vice-Presidente do Vitória) remunerados.
Porém, prevê 5 cargos inominados (membros do Conselho Diretor) sem remuneração. Qual a função deles? Quais suas atribuições? Dar pitaco? Ou seja, o Conselho Diretor (uma espécie de Conselho de Administração do Vitória) será composto do total de 7 membros, com mais de 36 meses de associação. Acho o número excessivo. Bastariam no máximo 5 membros, sendo dois deles o Presidente e o Vice-Presidente.
O novo estatuto previu apenas vacância do cargo de presidente. Caso ele renuncie, o Conselho Deliberativo elege indiretamente um novo Presidente. E caso os demais integrantes do Conselho Diretor renunciem? O que acontece? Nada foi previsto.
DEMAIS OBSERVAÇÕES
O Estatuto tem que prever o afastamento imediato e inelegibilidade, pelo período de, no mínimo, cinco anos, de dirigente ou administrador que praticar ato de gestão irregular ou temerária, conforme exigência do art. 4º, inciso VIII da Lei Federal nº 13.155/2015 (Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte – LRFE).
Seria interessante deixar claro no Estatuto que devem ser também inelegíveis o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins até o 2o (segundo) grau ou por adoção do presidente do Conselho Diretor, na ocasião de findado o seu mandato, conforme exigência do art. 18-A, §3º, II da Lei 9.615/98, alterada pela Lei 12.86/2013. Evitar o nepotismo.
Não há nenhum critério para a remuneração dos cargos de Presidente e Vice-Presidente do Conselho Diretor, bem como os 7 Superintendentes Executivos Subordinados, que serão os cargos remunerados do Vitória. É uma boa sugestão a se fazer. Constar no Estatuto qual o salário ou índice de referência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O novo Estatuto, com alguns ajustes a serem feitos, parece contemplar a pauta principal de reivindicações do movimento Vitória Livre, do qual tenho orgulho de fazer parte, composta dos seguintes itens
1) ELEIÇÕES DIRETAS para os cargos de Presidente e Vice-Presidente do Conselho Diretor e também para o Conselho Deliberativo.
2) COMPOSIÇÃO PROPORCIONAL do Conselho Deliberativo à votação alcançada por cada uma das chapas concorrentes;
3) REDUÇÃO do número de cargos no conselho, que é atualmente de 450.
4) DEMOCRACIA SEM TRAVAS para que o único requisito para elegibilidade a todos os cargos do clube seja apenas o tempo de associação, que deverá ser votado em assembleia.
5) MANDATOS DE 3 ANOS com possibilidade de apenas uma reeleição.
6) DOIS TURNOS nas eleições para o cargo de Presidente na hipótese em que nenhum dos candidatos alcance 50% dos votos válidos.
7) PROFISSIONALIZAÇÃO com remuneração dos cargos diretivos e regime de dedicação exclusiva.
8) TEMPO DE CARÊNCIA para evitar que pequenos atrasos na renovação do Sou Mais Vitória impeçam a continuidade na vinculação ao plano, devendo o prazo ser decidido em assembleia.
9) PUBLICIDADE para que a relação de sócios deva estar sempre disponível e atualizada na página oficial do clube;
10) ACESSO À INFORMAÇÃO, devendo as atas e prestações de contas ser acessíveis aos sócios, com publicação de Demonstrações Financeiras anuais até março do ano seguinte e auditoria contábil feita por firma multinacional, idônea, e reconhecidamente competente”.